O Coveiro - Pancho Belo Romariz
"Fui bom em enterros, assíduo em cemitérios e em missas de sétimo dia. Tornei-me próximo às sepulturas, contemplador de velórios, contador de lágrimas e de gritos de dor. Indiferente aos vivos e aos seus ouvires dizer, meus ouvidos tornaram-se um túmulo. Há mentira e culpa na vida: em cada cova que eu abro enterro sonhos, dor, futuro e passado, enquanto os vivos plantam ilusão, perdem suas almas e destroem suas famílias. Na morte, digo-lhe, há apenas a verdade. Para mim, cada morto é um eterno receptáculo de vícios, um infame progenitor, um delirante miserável. Em meio à lama humana, ao fedor de fezes e sangue velho, prolifera-se o verme dos vermes. Em dissonância, os anjos na terra despedem-se e flutuam ao encontro do horizonte, unindo-se à energia vital da natureza. Não há jazigo, epitáfio ou desespero. Vez ou outra eu assisto ao caleidoscópio luminoso que dança pelo ar até se transfigurar em raios de sol. Neste passo, e em face ao seu término, eu crio um sorriso no rosto, é verdade – eu olho para dentro na inexorável busca dessa luz que raramente é encontrada. Num milésimo, perco a expressão: meus olhos vazios miram ao nada. Não há luz, não há dança. Quando eu me for, serei um receptáculo de vícios, um infame progenitor e um delirante miserável. Quem me suceder, enterrar-me-á assim, porque na morte existe apenas a verdade. Eu nunca tremularei consoante aos raios de sol. Em meu peito, junto ao coração, há enterrada uma lápide onde repousam inocentemente a Esperança em ossos e o Amor em decomposição.”
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