Iô Pã- Wanessa Araújo

 



Ergo as pálpebras com dificuldade e minhas retinas capturam imagens que parecem um

cenário pensado por Tim Burton.

Há velas negras por toda parte e suas chamas balançam num ritmo frenético, projetando

sombras que rastejam no chão de pedra como demônios.

Homens e mulheres encapuzados estão dispostos num vasto salão circular e entoam em

uníssono uma enxurrada de sílabas desconexas.

Essa plateia infernal mantém os olhos em mim enquanto tento afrouxar as amarras que me

prendem a uma cadeira de madeira. Meus pulsos latejam sob os nós de uma corda e meu

sangue desliza para a ponta dos dedos até coagular embaixo das unhas.

Em minha boca se acumulam gritos de desespero, mas estes, são silenciados por uma

mordaça encardida. A inquietação cede espaço a curiosidade quando ouço as primeiras notas

de Planet Caravan, o verdadeiro ponto de equilíbrio entre o caos e o nirvana se espalhando

pelo salão através da música.

O batuque calmo e ritmado destila toda a nostalgia que há em mim e faz com que minhas

lágrimas que até então escorriam quentes e ásperas, deslizem suavemente pelos contornos de

meu rosto.

As faces sem expressão que me rodeiam rolam para a mesma direção e curvam-se numa

posição submissa.

Meus olhos varrem o perímetro e esbarram em um par de olhos manchados por uma película

leitosa. O ancião que rege a cerimônia me olha de volta, os vincos profundos ao redor de seus

olhos e boca lhe dão um aspecto cadavérico e uma semelhança assustadora com uma múmia

egípcia.

Meu choro frio se aquece novamente, suas mãos enrugadas afastam a mordaça de minha

boca e uma onda de agonia se apodera de meu corpo.

O grito de pânico é inevitável.

Suas unhas imundas invadem meus lábios e sinto um gosto acre latejar em minha língua; o

ungüento tem cheiro de cigarro molhado e pelo que sobrou em seus dedos, vejo que possui

uma coloração em tom de ferrugem.

Apesar do gosto horrível, meu corpo se torna mais leve e a mais incrível das sensações

sequestra meus sentidos para um estado totalmente fora da realidade, me fazendo mergulhar

em minha própria consciência.

Danço pelas vielas tortuosas de minha mente, dedicando-me a saborear cada nota do sabor

que emana de meu corpo.

 

Com os pensamentos perdidos entre as possibilidades do uni e multiverso, não percebo

quando retiram meu corpo do assento da cadeira, somente me dou conta de que não estou

mais sentada quando a frieza de uma superfície de mármore toca minhas costas, lambendo

minha pele nua, eriçando meus pelos.

O ancião se aproxima a passos firmes, num trote calmo e apesar de sua aparência frágil noto a

ereção em sua túnica puída.

Velas. Música. O falo ereto.

Aqui é onde começa o inferno, a fé morre como uma canção que finda com uma nota aguda de

lamento.

As mãos ásperas do velho deslizam em minha pele e manobram meu corpo com agilidade.

Seus dedos dedilham-me como a um instrumento de mil cordas.

Seu olhar cansado rasteja sobre mim como uma lesma, deixando um rastro de pelos

arrepiados.

Suas mãos erguem minhas pernas para que seu membro rígido penetre em meu sexo,

rasgando uma membrana até então intocada, fazendo-me verter sangue.

A transgressão do sexto mandamento sendo exibida diante de dezenas de voyeurs com as

mãos unidas em prece. Seus olhos reluzem na penumbra como se a chama das velas

queimasse de dentro pra fora.

A cada investida do ancião, uma espécie de conexão milenar se ativa em mim e complementa

a conjunção carnal.

Sua pele enrugada infla e preenche as fissuras entre as camadas de pele que formam as

rugas, metamorfoseando seu aspecto senil.

Chifres caprinos despontam acima das têmporas em sincronia com o crescimento puntiforme

das orelhas. O rosto se contorce numa máscara de dor enquanto seus ossos se reestruturam e

tornam-se angulosos.

A musculatura torna-se rígida e forma protuberâncias acima do zigomático e do queixo, por

onde escorre suor ate se acumular na grossa camada de pelos que cresce a esmo em seu

peito nu.

O membro mais rígido do que nunca se agiganta em meu ventre, fincando raízes como uma

planta selvagem em solo fértil.

Aplausos, uivos e gritos são ouvidos por todos os lados.

A película que manchava os olhos do ancião se dissolvem e revelam um par de íris de um tom

único de amarelo.

 

Olhos enormes de comer gente.

Meu coração acelerado bombeia quantidades exorbitantes de sangue para meu cérebro. Sinto

meu rosto queimar a medida que a sensação de insetos fervilhando em meu sexo relaxam meu

corpo.

A dança frenética da poeira cósmica de nossos corpos, revivendo o Gênesis. O espetáculo da

criação encenado por uma mortal e por Ele; a representação de tudo o que se entende por

natureza viril e masculinidade.

A metamorfose se completa e o Deus com aspecto de fera ruge num tom gutural. Todos se

prostam diante dEle enquanto bate os cascos no chão.

Pã, o cervo alfa.

A terra arada ganha as sementes que asseguram o futuro biológico da humanidade. A Deusa

lua em seu aspecto materno, surge exuberante por trás das nuvens escuras e presenteia a

todos com sua presença majestosa.

A criança-promessa ja pulsa em meu ventre, o peso de sua semi-existencia ecoa pela

eternidade e tudo faz sentido.

O filho de Pã, herdeiro do poder que rege o universo, cresce nobre e forte como os Celtas e

Saxões previram em tempos antigos no ventre de uma mortal.

 



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