Micose- Matheus Freitas
O Encontro
Abel e Donatella tinham entre 17 e 18 anos e estavam em vias de terminar o ensino médio. Cada um em sua escola. Ano super importante em muitos aspectos: social, escolar, amoroso etc.
Tudo prometia ser um ano espetacular para eles. Donatella tinha planejado uma viagem com as amigas e, juntas, tinham feito um calendário de festas. Tudo isso em meio à expectativa dos estudos e do vestibular.
Abel também estava pronto para encarar aquele ano. Tinha preparado um calendário de eventos e um mochilão macabro pelo Brasil e América Latina junto aos amigos.
Iniciaria no vilarejo onde um padre chamado Zequeu que, segundo os boatos,
exorcizava demônios, havia tido a cabeça decepada há mais ou menos um ano.
Estava tudo planejado. Abel e Donatella só não contavam que uma pandemia estragaria seus planos de 2020. Distanciamento social. Escola à distância. Planos frustrados e vida que segue.
Trancafiados em suas casas, Abel e Donatella lidavam com as frustrações e planejavam novos planos quando, num acaso, entre amigos de amigos de amigos, se conheceram pela internet. Começaram a se falar e desde então não pararam mais.
Viram que tinham muito mais em comum do que os planos frustrados pela pandemia.
Conversavam tanto que já se sentiam íntimos. No fim de 2020, quando alguns
municípios começaram a ter um “relaxamento social”, decidiram se encontrar no
shopping
Tanto Abel quanto Donatella estavam cumprindo o Isolamento Social, por esta razão, se sentiram seguros em marcar o encontro. Combinaram que ambos ficariam de máscaras.
Apenas se conheceriam e conversariam pessoalmente.
Desde o início do isolamento social, a ansiedade de Donatella tem se manifestado com mais frequência. Nas vésperas do encontro, uma micose saiu em sua mão. Ela não sabia dizer se era o motivo ou foi por outro fator.
Mas o fato de ter aquela micose em sua mão fazia a ansiedade ficar ainda maior e isso resultava em uma coceira incontrolável. Estava pensando em desistir do encontro, mas tinha vergonha de dizer o real motivo, por isso o manteve.
A micose estava localizada na palma de sua mão direita. Era um pequeno círculo
branco. Ao coçar, ficava áspero.
O encontro aconteceu. Cumprimentaram-se à distância e sentaram juntos numa mesa da praça de alimentação. Mesmo sendo um local onde se podia tirar a máscara, decidiram permanecer com elas.
Depois de um tempo sentados e conversando, Donatella e Abel passaram seus
respectivos álcoois em gel nas mãos e saíram para caminhar lado a lado.
Do jeito que estavam, a mão esquerda de Abel ficava próxima a direita de Donatella.
Por um breve momento ela tinha esquecido da micose, deveria ter ficado do outro lado.
Eles trocaram olhares. Enquanto os olhos se cruzavam de forma carinhosa, as mãos se bateram.
Abel, devagar, entrelaçou seus dedos nos dedos dela. Mesmo nervosa, ela respondeu ao toque. Aos poucos, estavam de mãos dadas. Ele não deu bola ou nem reparou na micose. Donatella ficou aliviada.
E assim discorreu o primeiro encontro. Uma tarde de conversa e uma segurada na mão.
O namoro
O primeiro encontro resultou em outro. E mais alguns. Começaram a namorar. Por
segurança, se encontravam um na casa do outro. Ficavam uma semana juntos, sem sair, e depois uma semana separados.
E nesse vai e vem de muitos cuidados, o ano de 2020 se encerrou. Ambos ingressaram na faculdade e decidiram morar juntos. Donatella já tinha planos de dividir apartamento\ com amigas e, para isso, estava trabalhando para poder pagar o aluguel.
Isso nem passava pela cabeça de Abel, mas quando iniciaram o namoro, ele decidiu procurar um trabalho e, mesmo em plena crise financeira no País, arrumou um estágio remunerado.
Morando juntos e trabalhando à distância, conseguiram passar muito tempo lado a lado.
A micose de Donatella tinha sumido, mas, em meados do ano, reapareceu. Talvez a mudança de ambiente, mais responsabilidades, pandemia sem dar trégua, tenha
favorecido o retorno indesejável.
E apesar de estarem mais íntimos e dividirem a mesma residência, Donatella continuava a ter vergonha da micose. Só coçava sozinha e não deixava Abel ver. Mas, obviamente, ele acabou descobrindo. E, quando viu, não se importou nem um pouco.
Cada vez que ela coçava de forma frenética, ele umedecia os dedos na água e passava sobre a micose com o intuito de aliviar a coceira. Era quase um processo terapêutico que Donatella adorava. Quando estavam deitados na cama, ela adormecia enquanto Abel massageava a micose.
Em um desses dias, quando Donatella adormeceu, Abel encarou a micose. E, por algum motivo, decidiu coçar seu nariz nela. Mexeu a cabeça para cima e para baixo. A mancha arredondada, ao estar seca, parecia uma lixa. Aquilo deu uma sensação de prazer que ele nunca havia sentido.
Na noite seguinte, Donatella adormeceu de novo. Abel decidiu se aventurar ainda mais.
Começou a lamber a micose. O encontro contrastante entre a ponta da língua com a casca áspera despertou sensações que ele nem sequer sabia que existia.
Noite após noite as lambidas se tornam constantes. Era só Donatella entrar em um sono pesado que ele já começava. Lambia até que sua língua úmida secasse.
As lambidas se tornaram um fetiche excitante. Certa noite quis ir ainda mais longe.
Decidiu esfregar seu pênis na micose. O que ele já achava bom com a lambida, se
tornava ainda melhor.
Em uma dessas intensas noites de lambidas e esfregação, Donatella pegou Abel no flagra. Ela se assustou, ele pediu desculpas. Argumentou e explicou sobre a sensação única e maravilhosa que tem ao tocar na micose.
Donatella não compreendeu, mas o perdoou. No dia seguinte, Abel se desculpou de novo e prometeu nunca mais fazer aquilo. Os dias se passaram e ele, realmente, não lambeu ou realizou qualquer outro fetiche com a micose.
Passado mais três dias, Donatella comunicou a ele:
- Irei ao dermatologista tratar minha micose...
- NÃO! – gritou instantaneamente Abel – Quer dizer, por quê?
- Porque ela está me atrapalhando, preciso tratar isso...
- Mas...
- Abel! Não sei o que está passando em sua cabeça, mas não tem porque discutir isso.
Além desta merda estar me incomodando, não quero, nunca mais, ter que acordar no meio da noite e ver você se esfregando numa micose. Isso é repugnante! E tá decidido, daqui a dois dias irei ao médico e vou começar a tratar!
No restante do dia, os dois quase nem se falaram. À noite, foram dormir com um “boa noite” seco. No meio da madrugada, Abel ouviu um chamado. Acordou subitamente e ficou sentado na cama.
- Quem está aí?
Ele acendeu a luz da lanterna do celular, não tinha ninguém no quarto com exceção dele e de Donatella, que dormia profundamente.
- Abel...
Ouviu o chamado novamente.
- Quem está aí?
Agora a voz o responde:
- Sou eu, a micose...
Ele olha para a mão direita de Donatella. Ela dorme de bruços, o braço direito está para fora da cama. Ele desce, vira a volta e se agacha para conversar com a micose.
- O que você quer?
- Me lamba...
- Não posso, Micose. É errado...
- O nosso amor é errado, é isso que você está dizendo?
- Amor?
- Sim, eu te amo...você não me ama? Me lamba...
Abel não resiste e começa a lamber e micose de Donatella novamente. Desta vez ela sente as lambidas e acorda. Se assusta, mas ele não para, continua a lamber de forma desesperada.
Donatella tenta puxar a mão, mas não consegue. Abel segura forte. Ela só consegue tirar quando o acerta com um soco.
- Você está louco?!
- Micose! Micose! Micose!
- Sai daqui! Não quero você dormindo ao meu lado!
- Eu amo a micose! Eu amo a micose!
- Sai senão vou gritar!
Ainda agachado, Abel balança a cabeça negativamente e começa a dar socos na parede. Donatella começa a chorar. Está desesperada. Ele grita. Ela chora.
Novamente, ele ouviu a Micose:
- Você sabe o que tem que fazer...
Ficou em pé e se retirou do quarto. Mas, poucos segundos depois, retornou. Em meio a seu desespero, Donatella não percebeu sua saída e nem o seu retorno. Quando reparou em algo, ele já estava sob ela. Segurou com violência a mão direita e puxou em sua direção.
Segurando com sua esquerda a mão direita de Donatella e com o braço dela esticado, Abel dá um golpe com toda a força com o facão que tem na outra mão. Ela grita. O corte, pouco acima do pulso, é profundo. Ela tenta puxar o braço em sua direção, masele segura firme e dá outros dois golpes em sequência.
Os ossos estão partidos. A mão direita dela fica dependurada. Abel larga o facão, coloca um pé no peito dela e o outro no permanece no chão para dar o apoio. Com suas duas mãos, arranca a mão direita de Donatella.
O sangue começa a jorrar nas paredes do quarto. Abel não dá bola. Ele pega a mão, lambe a Micose. Declara-se a ela e, em seguida, vai embora, esfregando,
carinhosamente, a micose em seu rosto enquanto se retira.
“Micose...
Micosizinha...
O nosso amor é tão resistente quanto a sua casquinha...”
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