Bate- Papo- Matheus Freitas

 



– Quer um cigarro?

– Não? Tudo bem, você nunca fumou mesmo. Não sei porque insisto.

"Sabe, estive pensando nesses dias. Será que esses nossos encontros não são errados?

Imorais? Essa cidade é tão pequena. E as pessoas que vivem em Babaquara parecem ser  mais limitadas do que o próprio município, poucas se escapam da mediocridade. E mesmo esses poucos, acho que nunca aceitariam nossas conversas. Por mais que tenhamos uma relação de amizade, acho que eles não te enxergam como eu a enxergo.”

"Esses dias vi que em alguma cidade houve vândalos que abriram túmulos e saquearam  os corpos. Aí eu te quero, onde, onde vamos parar? Não há mais o respeito de nada!"

Não sou uma pessoa religiosa, então não acredito no pós-vida. Para mim, existe apenas  a terra e como larvas. Viemos do pó. Ao pó voltaremos.”

"Mas isso não quer dizer que não respeitamos os corpos que ainda estão aqui!  deste e de qualquer outro cemitério merecem respeito. Se levarmos para o lado religioso, do pós-vida, é um crime ainda mais desrespeitoso. Atenciosamente, duvido muito que esses crimes sejam pessoas com certo intelecto mental, sem preconceitos, é claro.”

“O que quero dizer é que a grande maioria é católica ou evangélica e deve pregar o 'bem' a toda hora, mas, ao mesmo tempo, não acredito, de fato, em sua religião. Se acreditariam, não fariam esse tipo de coisa. Sabe por quê?

"Porque tiveram medo de ser assombrados. Mas eles não têm esse medo. Talvez tenham medo sob efeito de drogas. Algo que eu acredito que possa ocorrer em algumas situações, mas em outras, quando há, descaradamente, o objetivo de arrombar para roubar, ah, vá me desculpar, mas é pura bandidagem. Tudo feito com extrema clareza.”

“Por isso eu acho que não são tão convictos em suas religiões, apenas propagam a religião como senso comum porque tem medo de ser reprovado por não acreditar.

Imagina se são presos e na cadeia, que muitos estão ligados às igrejas evangélicas, descobri que ele é um cara que não acredita em Deus? É morte na certa!”

"Desculpa…não era disso que eu queria falar. Mas quando penso nisso, já me vem logo essa questão da hipocrisia. Bom, mas o que quero expressar com esse exemplo dos vândalos é o seguinte, será que nós não somos vândalos? Quer dizer, eu, eu não sou um Vândalo?”

“Eu não me acho um vândalo, mas se descobrirem nossos encontros, é provavelmente isso que vão pensar. Com certeza, a primeira coisa que as pessoas vão fazer é associar nossos encontros com essa bandidagem. Esses marginais não respeitam nada! Nem religião, nem os bens que as famílias colocam lá, nada!”

 "Desculpa, de novo, voltei a falar disso. Para mim, não há nada mais lindo do que estar deitado aqui contigo observando essa lua estrelada. Uma das coisas positivas que Babaquara tem. Ou melhor, não tem. Não temos umidade e umidade costureira das grandes metrópoles. Por isso, esse céu parece tão puro e lindo.”

Estar contigo faz até esse cigarro vagabundo ser bom. O meu maior medo é ser taxado como um desses bandidos. Eu sei o caminho exato para chegar até aqui. Conheço esse cemitério como a palma da minha mão. Já te falei, que quando era adolescente, início dos anos 2000, por aí, vinha para cá com meus amigos para beber e fumar escondido.”

"Coisa idiota. Por que fazíamos isso? Éramos menores de idade e queríamos experimente essas drogas lícitas. Tinha que ser feito em um lugar escondido, ok, mas por que em um cemitério? Se parar para perceber, nem é tão escondido assim. É um lugar aberto, qualquer um poderia ver e nos entregar para nossos pais. Era muito mais fácil fumar e beber em um lugar, de fato, escondido.”

“Talvez a adrenalina de estarmos fazendo algo errado em meio aos mortos, algo tão sagrado. Naquela época ainda era devoto. Coroinha, diga-se de passagem. Um duplo medo de correr em meu corpo: poderia ser descoberto por meus pais e, também, pelo padre. Além disso, ainda havia lendas do cemitério e os supostos fantasmas. Tudo idiotice de gurizada nova.”

“Mas se existe algo bom desse período é o fato de ter aprendido os caminhos desse cemitério. Então, quando soube que você estava aqui, você descobriu rápido. Percorro isto caminho algumas noites por semana para estar contigo. Não esbarro em nada, apesar da escuridão. Trago apenas meu celular para me auxiliar com uma luz.”

“Sei que quase ninguém, com exceção de alguns nos dias dos finados, e eu, óbvio, vem lhe visitar. E esse lugar do cemitério também é uma área pouco visitada, por isso, quase ninguém percebe que o bloco de cimento do seu túmulo é, na verdade, uma tampa descobri. Só assim posso retirar o seu caixão, libertar o seu corpo, nem que seja por alguns minutos ou horas, e você dá essa vista maravilhosa.”

"Eu gosto. Você gosta. Mas será que outros irão aceitar essa nossa amizade? É isso que tenho medo. Além de me acusar de vandalismo e, talvez, de roubo, apesar de nunca ter sido  mexido em ninguém que lhe pertença, ainda pode me acusar de necrofilia. Nunca lhe forcei a fazer nada. Tudo o que fizemos são atos completamente consentidos.”

"Porém eles não vão aceitar. Mas não se preocupe, isso não é uma despedida.

Continuarei vindo, sempre tive cautela e continuarei a ter. É apenas um desabafo.

Desculpa se uma conversa não foi bem humorada como sempre.”

Ele apaga o toco de cigarro no chão, levanta-se e dá um beijo carinhoso na testa dela.

Mas ele sente a mão tocar sob suas calças.

– Pensei que por conta do clima mais tenso, ficaríamos só na conversa…

Ele tira suas calças, abaixa até os pés e volta a deitar-se ao lado dela. olhando  para o céu, a mão gélida enrosca-se em sua genitália e inicia o movimento para baixo e  para cima. Devagar e depois acelerando.

É uma mistura de sensações. Sua mão quente envolvida com a mão gelada dela em um  movimento contínuo e intenso. Ele se contorce, mas não é de dor, é prazer.

O gelado e o quente entram em harmonia temporal quando a ejaculação solta e volta a  cair sob suas mãos. É o êxtase da noite. Ele se levanta, coloca suas calças e ajeita de  volta no caixão.

Despede-se, empurra o caixão para o túmulo e usa o desvio para fechar. Ainda com  uma breve abertura, abana pela última vez naquela noite.

 

Comentários

Postagens mais visitadas