Cativeiro- David Leite

 



 

O telefone toca no meio do dia.

- Bóris?

- Não é seu filho, Raluca. Nós estamos com ele.

- Quem está falando?

- Não importa quem é. Estamos com ele aqui. Ele está preso com a gente. Olha a foto que te mandei. Agora!

Raluca olha para a tela do celular. Na foto, seu filho Bóris estava amarrado e amordaçado encostado a uma parede imunda e em ruína. A parca luz que incide sobre o garoto possivelmente veio do flash da câmera, abaixo do que o quarto sequer tinha iluminação. O garoto parecia abatido, mas bem fisicamente.

- E então, Raluca? É seu filho aqui conosco.

- O que você quer? O que tenho que fazer. – Raluca, desesperada, a pergunta.

- Queremos cento e cinqüenta mil, em dinheiro. E rápido!

- Mas isso é muito dinheiro! Eu não tenho tanto comigo.

- Pois consiga. Sabemos que seu filho toma medicação controlada. Ele vai ficar muito mal sem elas. Mais um motivo para você não demorar.

- Sim... Seus remédios. Ele precisa deles.

- Então. Você tem até amanhã para conseguir a grana. A gente vai ligar para marcar o lugar. E se a polícia for avisada, seu filho morre!

- Não! Não... Eu vou conseguir.

- Então acabamos aqui.

O seqüestrador desliga o telefone. No cativeiro decadente, os dois homens sentados à mesa rústica de madeira discorda sobre o que fazer.

- Será que ele consegue a grana, Mendonça? – A primeira pergunta deles.

 - Claro que consegue. Ele deve ter isso como troca. Você viu o carro da segurança garoto? A gente devia ter esperado que ele apanhasse o garoto e fizesse os dois. Aí a gente ficou com o carro, também. Não devíamos tê-lo pego direto na frente da escola.

- É, tem razão. Mas aí estava perigoso demais. A segurança deve ser bem treinada.

- Não importa, agora, Luís. Amanhã consegui a grana.

Um muxoxo é ouvido pelos dois homens vindo do escuro cômodo em que mantinham o garoto.

- Pai...

- Cale a boca, garoto. – Mendonça o hostiliza – Se teu pai for esperto, amanhã você está de volta para ele.

Antes do meio do dia seguinte, o telefone de Raluca toca novamente.

- E então, amigo? – Dessa vez, Luís fez às vezes de interlocutor. - Como é nosso avó?

- Olha. Eu estou tentando... – Comedidamente, Raluca tenta responder

- TENTANDO O QUE? – Luís se torna agressivo. – Era pra você já estar com o dinheiro na mão!

- Sim. Entenda. É muito dinheiro para mim. Estou levantando os valores, ainda.

- Como assim está tentando? Eu quero esse dinheiro para amanhã, no máximo. E agora o preço aumentado. Também queremos um dos seus carros. Entendeu?

- Sim. Entendi.

- Seu filho está doente e sem medicação. Não se esqueça disso. Vamos ver quando tempo ele agüenta

- Não! – Raluca está desesperada. – Eu vou conseguir. Por favor, não o machuquem.

- Amanhã eu te contato de novo.

Luís desliga o telefone.

- Pode isso, Mendonça? – Luis pergunta, retoricamente.

-É. Ainda bem que você aumentou o preço. Vamos. Vamos ver como ta o moleque. Vai que ele morre antes da hora. Os dois entram no quarto, ambos com lanternas. O garoto continuava na mesma posição em que foi deixado desde o princípio. Ofegante, visivelmente mais pálido, Bóris parecia sofrer os efeitos da falta do medicamento que tomava habitualmente.

 - Ih, o moleque ta ruim, Luís. – Mendonça diz para o comparar, preocupado.

- Dane-se. – Luís responde. – O pai dele tem até amanhã para nos pagar. Ele agüenta.

Manda uma foto para o pai dele ver como ele está agora. Isso deve servir de incentivo.

Mendonça tira uma foto com o celular e envia. Os dois homens deixam o menino e o quarto. Dali até a noite continua a beber e assiste os jogos na velha televisão que Trouxeram para o caso isolado que eles serviram de esconderijo.

 O telefone de Raluca toca novamente no dia seguinte. Dessa vez, sem resposta.

Os dois homens ficam espantados. Uma segunda e terceira tentativa de contato também foram infrutíferas.

- Ele está louco? Por que você não atende? – Luís Pergunta

- Ele deve estar correndo atrás do dinheiro ainda. Só pode ser isso.

-Tá. Vamos ver o garoto. A gente o grava chorando e manda mensagem. Quero o ver ele ignorar isso.

Os dois entram novamente no quarto sem janelas com as lanternas em mãos. Dessa vez, o garoto estava caído de lado, inerte.

- Ei, moleque... – Mendonça o sacode. Sem resposta.

O homem se debruça sobre ele e examina melhor. Com a mão sobre sua testa, ele sente a pele fria do menino e, mais de perto, percebe sua falta de respiração.

- Ele... ele morreu... – Mendonça diz. Assombrado.

- O que vamos fazer agora? – Luís começa a se desesperar.

- Calma. Calma... – Mendonça inspira, tentando recuperar a razão. – Nós temos que continuar o plano.

- Continuar como?

- Vamos marcar o lugar, pegar a grana, e mandar ele vir aqui buscá-lo, ao invés de

fazer uma troca. Ele pensará que a culpa foi demorá-lo. Que deixamos o garoto

aqui vivo.

- Sim. Pode funcionar. – Luís se acalma por um momento.

Os homens tentam mais um contato com Raluca. Também sem sucesso. Ainda atarantados com a situação, tente aguardar mais algum tempo antes de nova tentativa.

Aguardem até o anoitecer daquele dia.

O telefone de Raluca toca naquela noite.

 - Sim. – Raluca responde do outro lado, estranhamente calmo.

- Você sabe quem fala aqui. Por que você não respondeu antes?

- Desculpe. Estive meio indisposto o dia inteiro.

- Ah, não me diga. E seu filho está aqui? Como você acha que está? Mais um pouco e vamos devolver para você uma pedra de gelo.

- Ah, sim. Eu lamento.

- Não lamente nada. Ó dinheiro. Arrumou? Teu filho está prestes a morrer sem os remédios.

- Como disse. Lamento... por vocês, na realidade... – Raluca, estranhamente, parecia sereno demais.

- Como assim? Lamenta por nós? – Mendonça se louco altera – Você está ficando louco?

- Bem... – Raluca continua, passivamente. – A respeito dos remédios. Não são

remédios para nos curar, na verdade, esses que eu, minha esposa e Bóris tomamos.

Não... Longe disso.

Mendonça e Luís, escutando em viva-voz, se entreolham.

- Para nós é um tanto complicado mantermos nossas características disfarçadas quando estamos entre vocês. Somos muito diferentes, tanto em físico, quanto em hábitos, eu diria...

-O quê? – Os dois homens continuam, incertos.

- Então, para nos escondermos aos olhos vistos, como fazemos, e deixamos nossos atributos mais inadequados sob controle, nós usamos esses remédios. Sintetizados a a partir de sangue... humano.

Os dois ficam atônitos, tentando processar o que ouvimos.

- Portanto, eu lamento por vocês. Gostaria que você fizesse mais sorte na próxima vez que tentarem seqüestrar alguém, que consigam seqüestrar alguém da sua própria raça inferior. Isso é, se meu filho permitir a vocês uma próxima vez. Ele usou o remédio desde sempre, portanto agora sem eles devem estar completamente... famintos.

Arrependidamente, da penumbra recortada pela porta do cômodo, dois olhos vermelhos cintilavam e iluminavam a face flutuante de Bóris, inseridas aterradoramente para os dois.

Os homens começam a vagarosa e desesperadamente abrem a boca, ao mesmo tempo em que o menino abriu a sua, onde as presas fulgentes e sanguinárias se expunham ameaçadoramente.

 Um instante e os filhos de gritos de dor e de carne sendo dilacerados são carregados através da linha telefônica, onde do outro lado um pai ouvia, esboçando um sorriso orgulhoso.

 

 

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