O Dia Em Que As Árvores Falaram- O Veterano do Pecado


 


Não sei se foi sonho ou se aconteceu mesmo. 

Mas juro que, naquela manhã, o vento veio com voz.  

Uma voz rouca, cheia de pólen,  

que me cutucou no ouvido e disse:  

“Escuta o que a gente tem pra contar.”  


E eu escutei.  


As árvores me chamaram pelo nome.  

Não o nome que a cidade me deu,  

não o que tá no documento,  

mas aquele nome esquecido  

que só a infância conhecia.  

Foi assim que entendi  

a natureza guarda apelidos que a gente enterra quando cresce.  


O eucalipto riu primeiro  

com aquele riso fino que parece assobio.  

Me conto que todo galho é um braço que segura o céu.  

A jabuticabeira, com a boca doce,  

disse que fruto não é comida, é memória.  

E o ipê amarelo falou sem mexer uma folha  

“Beleza é um acidente que dura pouco.”  


Eu fiquei parado ali  

com cara de idiota e coração de criança  

tentando lembrar se algum dia eu tinha dado bom-dia pras árvores.  

A resposta foi silêncio  

e o silêncio é sempre a forma mais sincera de vergonha.  


No fim, o vento soprou de novo.  

Mas dessa vez não era aviso nem bronca  

era convite:  


“Volta mais vezes, homem.  

Não traz relógio, não traz fone, não traz pressa.  

Traz só seus ouvidos cansados  

e deixa a gente te ensinar a falar devagar.”  


E desde aquele dia  

eu nunca mais caminhei igual.  

Porque eu sei  

as árvores falam.  

E o mundo inteiro tá gritando  

só que a gente desaprendeu a escutar.




 

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