Antes do Vazio- E.B. Toniolli

 

 

 

No começo, foi apenas um pedido: que a deixassem em paz.
Não houve grito, nem adeus. Só um fechar de portas, um sumir de passos, como se ela tivesse decidido escorregar para fora do mundo sem fazer barulho. As palavras pararam primeiro. Depois vieram os gestos. Os olhos perderam o foco, o rosto esqueceu o calor. 

A casa, com o tempo, pareceu esquecer que um dia fora viva.
O tempo lá dentro passou a andar em círculos. As horas não avançavam, elas apenas retornavam, sempre iguais, sempre mais cinzentas. As plantas murcharam como se sentissem que não havia mais ninguém por quem florescer. Os espelhos embaçaram, recusando-se a refletir uma presença que aos poucos se tornava ausência.
E então, o corpo começou a entregar suas pequenas rebeliões: os cabelos caíam em silêncio, os dedos tremiam como se já não soubessem o que segurar. Por dentro, ela ia se desfazendo em camadas — como se a realidade estivesse descascando de dentro para fora.
Quando fechou os olhos pela última vez, ninguém percebeu. Mas a luz percebeu. Ela recolheu seus feixes, como um animal ferido retornando à toca. O sol não nasceu no dia seguinte. Nem nos outros. Não porque estava nublado — mas porque, de alguma forma que a ciência não explicaria, o mundo havia esquecido como amanhecer.
O coração dela parou. Não com estardalhaço, mas como uma máquina ancestral que apenas aceita o fim do combustível. E, no exato instante em que cessou, o som também cessou. O vento perdeu a direção. A Terra, em sua absurda dança, hesitou. E o universo, aquele palco infinito de estrelas frias e deuses cegos, sequer notou.
Mas a lágrima... ah, a lágrima caiu. Uma só. Última e absoluta. Ela deslizou por uma face já sem nome, e tocou o chão com um peso que não pertencia ao corpo, mas àquilo que restava dele: uma essência esmagada por séculos de silêncio, pela solidão ancestral de existir.
Quando tocou o solo, o mar evaporou. Os rios secaram. Toda água virou sal. Todo amor, memória. Todo sentimento, cinza.
E, por um momento — breve, mas eterno — a vida pareceu um erro. Um sussurro
irrelevante no vácuo. Uma piada mal contada pelas bocas das estrelas.